segunda-feira, outubro 31, 2005

A propósito da polémica em torno (do fim anunciado) das regalias dos autarcas, o «Expresso» publica, na sua última edição, uma notícia que pretende ser esclarecedora:
Políticos a salvo

Os autarcas que foram eleitos em 9 de Outubro anteciparam a tomada de posse para evitar cair sob a alçada da lei que lhes retira regalias, nomeadamente a contagem a dobrar do tempo de exercício do cargo para efeitos de reforma, um direito até agora reconhecido aos edis com pelo menos seis anos em funções. O esquema foi possível porque a lei, apro­vada a 15 de Setembro, demorou 19 dias a sair da Assembleia da República, levando a que, depois de promulgada pelo PR, apenas fosse publicada exactamente no dia seguinte ao das eleições autárquicas. Ainda assim, se a lei entrasse imediatamente em vigor, no dia 10, seria impossível aos autarcas antecipa­rem-se aos seus efeitos. Só que nem o Gover­no nem a AR se lembraram de determinar que a Lei 52-A/2005 vigorasse no dia da publi­cação, ao contrário do que aconteceu quan­do, por várias vezes, se conferiram novos di­reitos aos políticos.
Não tendo aposto qual­quer artigo sobre a entrada em vigor, funcio­na a «vacatio legis» de cinco dias no Continente e 15 nas Regiões Autónomas. Évora e Celorico de Basto estão entre os casos dos que conseguiram tomar posse antes, numa pressa inédita cuja explicação deixa muitas dúvidas. Também em Braga, o novo executi­vo de Mesquita Machado tomou posse em tempo recorde, a 15 de Outubro.
Mas, pior do que isso, muitos autarcas acreditam que a lei só entrará em vigor a 1 de Novembro. Porque o Estatuto dos Elei­tos Locais, republicado em anexo no final da Lei 52-A/2oos, conserva o artigo 28º que , determina: «A presente lei entra em vi­gor no dia 1º do mês seguinte ao da sua publicação). Por causa deste artigo, uma «febre» de tomadas de posse assolou o país. Em Lisboa (ver caixa), Carmona Rodri­gues antecipou a posse. Também Rui Rio, no Porto, Isabel Damasceno, em Leiria, Fá­tima Felgueiras, em Felgueiras, Isaltino Morais, em Oeiras, entre muitos outros, to­maram posse esta semana. E Nazaré, Faro, Santarém, Coimbra, Aveiro e a maioria dos concelhos já têm os novos autarcas empos­sados. Em Beja, a cerimónia ficou mesmo marcada pela manifesta «pressa», com depu­tados municipais a lamentarem a «falta de dignidade do acto». Em Salvaterra de Ma­gos, a única Câmara do BE, o executivo to­mou posse ontem. O Governo, reconhecendo terem sido le­vantadas «dúvidas», veio entretanto afirmar em nota da Presidência do Conselho de Mi­nistros que a «republicação em anexo» do Estatuto dos Eleitos Locais «não produz qualquer efeito quanto à entrada em vi­gor da lei» que agora vem restringir direitos dos autarcas. Mas fica por esclarecer por que razão nem o Governo nem a AR revogaram o dito artigo.
O constitucionalista Jorge Miranda entende que «mais valia que se eliminasse a antiga norma na republicação, ou então que se tivesse disposto que a nova lei entrava imediatamente em vigor». Embora admita que a interpretação do Governo é a mais cor­recta, diz que «eventualmente haverá deba­te jurídico» que podia ter sido evitado. Outro constitucionalista ouvido pelo EX­PRESSO, Marcelo Rebelo de Sousa (que, en­quanto presidente cessante da Assembleia Municipal de Celorico de Basto, deu posse ao novo executivo local no dia 14 de Outu­bro), vai mais longe nas dúvidas legais: «Nor­malmente a republicação de um diploma legal alterado, incorporando as altera­ções, não implica o tomar-se em conside­ração disposições originárias sobre a sua entrada em vigor. E, por isso, é frequente que, ao alterá-lo, se revoguem essas dispo­sições. O estranho neste caso é que a AR tenha expressamente revogado o artigo 33° da Lei n° 4/85 de 9 de Abril, sobre asua entrada em vigor, e não tenha revoga­do o artigo z8.° da Lei 29/87 de 3o de Ju­nho, relativa à entrada em vigor deste di­ploma. Esta curiosa dualidade de crité­ rios, certamente não devida a distracção num diploma que demorou tanto tempo a elaborar, é a fonte das dúvidas sobre se o tal artigo z8.° serve para alguma coisa, ou seja, se serve para que as alterações à Lei 29/87, sobre o Estatuto dos Eleitos Locais, apenas entrem em vigor em 1 de Novembro próximo». Também Gomes Canotilho põe em cau­sa a técnica legislativa, embora considere que a data do diploma republicado “não tem efeitos agora”.
Falta de cuidado? Durante oito dias es­teve na 1ª comissão, para redacção final. O comunista António Filipe, membro desta comissão diz “que podia não ter demorado tanto tempo”, considerando porém «que não foi excessivo». Por seu lado, o presiden­te da comissão, o socialista Osvaldo Castro, diz que “este processo não podia ter nem menos um dia”, esclarecendo que o diplo­ma foi “no dia 28” enviado para o Gabinete de Jaime Gama. O presidente da AR levou até dia 4 para mandar o diploma para Belém. Sobre a controvérsia da entrada em vigor, Osvaldo Castro diz: “Eu admiti que podia dar confusão”, acrescentando que “o Go­verno podia ter tido o cuidado de tirar a data de entrada em vigor” no republicado Estatuto dos Eleitos Locais. Osvaldo Castro desvaloriza porém os feitos desta opção.(«Expresso»)

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