terça-feira, agosto 30, 2005

Tiro pela culatra


«A política não tem qualquer relação com a moral». É espantoso como, do século XV até aos dias de hoje, o raciocínio do italiano Nicolau Maquiavel mantém actualidade e respira clarividência. Faz todo o sentido repescar esta máxima a propósito da recente peripécia que envolveu as duas maiores forças políticas de Ovar em redor das estratégias de propaganda eleitoral no concelho. Um episódio triste, mesquinho, torpe, mais um daqueles arrufos de falta de fair play que envergonham a classe política com mais frequência do que aquilo que gostaríamos.
Comparada com o circo político que se vive em Amarante, Felgueiras, Gondomar ou mesmo Canas de Senhorim, a troca verrinosa de insinuações entre PSD e PS de Ovar é pouco representativa do estado de descrença e podridão que percorre o país de costa a costa. Mas não deixa de ser um sinal inequívoco do desnorte que se apodera dos putativos governantes à medida que se aproxima a hora da verdade. Ao levantar suspeitas sobre possíveis “ligações perigosas e ilegais” entre a concelhia socialista e o Grupo Amorim sem outro fundamento que não um ou dois cartazes indevidamente afixados, os sociais-democratas revelaram total imprudência e, pior do que isso, expuseram-se ao ridículo.
Até porque o manto de insídia, que sugere um quadro de escaldantes relações económicas no qual se incluem as parcerias público-privadas encetadas pela autarquia, envolve por atado o Sportsfórum. Precisamente, um empreendimento participado pelo Grupo Amorim, que deverá vir a criar 850 postos de trabalho e um conjunto de estruturas que, directa ou indirectamente, contribuirão para o desenvolvimento local. Precisamente um investimento que não foi só aprovado pelas respectivas entidades regionais, como mereceu o aval do próprio PSD, cimentado pela presença de grandes vultos do partido aquando da apresentação pública do projecto.
É, por isso, no mínimo caricato que os sociais-democratas venham agora atirar lama sobre uma parceria com a qual concordaram e pela qual Álvaro Santos e Luís Filipe Menezes deram a cara. E é de um descaramento atroz que, perante a enérgica reacção dos socialistas, venham determinar que “bastaria ao PS ter vindo a público explicar que tinha sido um erro e apresentar uma nota da empresa publicitária a dar conta do sucedido”. Como se o alvo dos ataques devesse ficar indiferente e imune às críticas, ainda que caluniosas.
Mas o que pensavam verdadeiramente os mandatários da campanha do PSD? Que o PS viria envergonhadamente a terreiro justificar o “lapso técnico”, com uma declaração de responsabilidade da empresa contratada para a colocação dos outdoors, e recolher à toca de imediato com receio de novas investidas? É evidente que dá muito pouco jeito ser acusado de “entravar o desenvolvimento do concelho” e ser confrontado com gritantes discrepâncias entre o discurso e a atitude. Sobretudo num período de acesa pré-campanha eleitoral, em que a visibilidade de cada uma das candidaturas ganha uma dimensão redobrada. Mas é este o risco que corre quem opta por levantar suspeitas quase gratuitas e mesquinhas com o único fito de minar uma concorrência leal.
Por isso, quando chegar o dia de ir às urnas e o país voltar a escandalizar-se com a epidémica escalada da taxa de abstenção, talvez seja oportuno recordar episódios como este. Em que a disputa política que deveria pugnar pela transparência cede ao facilitismo das acusações, em que os fins continuam a sobrepor-se aos meios, em que a queda vertiginosa do opositor é, mesmo antes do escrutínio, encarada como uma vitória tout court. Mais do que o afastamento dos cidadãos, estas estratégias repugnam pelo efeito amoral que produzem e pela descredibilização do meio. Parece que os portugueses não descansam enquanto não derem a machadada final na carreira política.

Nuno Sousa, in «Público» de Sábado, 27 de Agosto de 2005 (A ilustração é nossa)

2 comentários:

Alfredo de Sousa disse...

Concordo consigo, caro laranjada ovarense. É triste ver o jornalismo de trazer por casa fazer «favores» a quem encomenda sermões. Este senhor "jornalista" (?) Nuno Sousa deveria olhar um pouco para o que escreveu e talvez pudesse ver que o que disse lhe assenta como uma luva: «Mais do que o afastamento dos cidadãos, estas estratégias repugnam pelo efeito amoral que produzem e pela descredibilização do meio.» É preciso ter algum brio!

Alfredo de Sousa disse...

Adivinha: O que é que uma pedra preciosa e verde tem a ver com o nosso pão-de-ló?