sexta-feira, novembro 04, 2005
Atalho para a morte
O quarto de Liliana continua igual. A cama de solteira encostada à parede, ao lado o órgão, a escrivaninha coberta de pastas escolares. Na sala, uma estante exibe orgulhosamente as medalhas e troféus ganhos ao longo de uma vida a praticar ténis. Uma vida que, porém, cedo chegou ao fim. Aos 22 anos, Liliana Isabel Teixeira de Pinto e Silva morreu trucidada por um comboio quando ia a caminho de casa.
Pouco passava das 6.30 horas do dia 9 de Maio de 2002, quando Liliana se despediu dos amigos com quem passara a noite a jogar cartas num bar do centro de Ovar. Sozinha e de auscultadores nos ouvidos, a jovem dirigiu-se para casa situada na Ponte Nova, na freguesia de S. João. Ao invés de seguir pela rua e atravessar a passagem de nível, Liliana optou por cortar caminho pela estação. A intenção era atravessar as linhas, incluindo as linhas de manobras sem passadeira para peões e cortar a direito por entre as ruínas das antigas oficinas da CP, situadas a nascente da estação.
Por mais do que uma vez a mãe, Maria Emília Teixeira, a tinha avisado, implorado para não o fazer. Temia que algo de mal pudesse acontecer. A filha prometeu-lhe que não o faria. A promessa foi quebrada para sempre naquela madrugada.
Recuar para a morte
Quando atravessava as linhas frente à estação, Liliana apercebeu-se de que vinha na sua direcção um comboio sem paragem, de norte para sul. Sem pensar duas vezes, a jovem recuou, a tempo de ser mortalmente atropelada por um outro comboio, que circulava em sentido contrário. A muitos pareceu que o destino de Liliana estava escrito e que não teria havido forma de lhe escapar. A mãe, no entanto, não pensa assim.
Três anos volvidos após a morte da filha, Emília Teixeira traz consigo uma angústia enorme e uma dor sem limites. E aponta o dedo a quem permitiu que o muro que separava as oficinas da estação chegasse à ruína total, possibilitando a criação de um atalho usado diariamente por centenas de pessoas.
Revoltada com a passividade das entidades responsáveis, Emília Teixeira apelou à Provedoria da Justiça que, por sua vez, decidiu interpelar a REFER. Em resposta, a REFER esclareceu que o atravessamento das linhas 3,4 e 5, para manobras e serviços de mercadorias, era e é proibido, não existindo, por isso, razão para haver passadeiras. Todavia, comprometia-se a colocar placas indicativas dessa proibição e de uma vedação para impossibilitar a passagem para as ditas ruínas. As placas foram colocadas, mas não a vedação.
Questionada pelo JN, a REFER disse que a intenção se mantém. Não dá, no entanto, uma indicação concreta de quando o irá fazer. Até quando?
Nova estação tem projecto desde 2003
Os anseios de Maria Emília Teixeira há muito que têm uma resposta. A REFER, através da empresa filiada Invesfer e a Câmara de Ovar planeiam, pelo menos desde 2003, a construção de uma nova estação de caminho-de-ferro no terreno agora ocupado pelas ruínas das antigas oficinas da CP. O acesso entre os cais de embarque passará, segundo o projecto, a ser feito de forma desnivelada, ou seja, através de passagens inferiores e por meios mecânicos, em princípio escadas rolantes. Há dois anos dizia-se que, se tudo corresse bem, a obra teria início este ano. Mas não correu bem.
Segundo o presidente da Câmara de Ovar, o projecto é, no entanto, para ir para a frente, esperando-se que as conversações com a REFER possam ser retomadas em breve.
Segundo o estudo prévio da Invesfer, um projecto no âmbito do chamado programa "Estações com vida" prevê, além de um nova estação, a construção de um interface rodoviário, de um parque de estacionamento subterrâneo para 200 viaturas e ainda uma passagem desnivelada inferior para trânsito automóvel situada sensivelmente a meio da distância entre a actual estação e a passagem de nível da Ponte Nova. A nova estação será integrada num complexo de comércio, serviços e habitação com cerca de 8500 metros quadrados.
Saliente-se que o actual edifício de passageiros não irá ser demolido, dado o seu valor patrimonial. Em 2003, Armando França, então presidente da Câmara, disse ao JN que a estação seria recuperada e cedida à Câmara por um período de 25 anos, destinando-se-ia a actividades sócio-culturais.(«JN»)
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