Foi o motor do desenvolvimento de Ovar e chegou a ter 3.700
empregados. Agora, emagreceu e quer mudar-se para o Leste
Com 39 anos de idade, Américo está há 12 na empresa e recorda com saudade
os primeiros tempos, em que deixou de ser um desempregado de longa duração
da indústria de cordoaria e agarrou a grande oportunidade profissional da sua
vida. «Quando entrámos na fábrica tínhamos orgulho em trabalhar aqui, havia a
perspectiva de um emprego para toda a vida e fazíamos planos para o futuro,
porque os salários eram elevados», conta o sindicalista. A multinacional
japonesa, que tem outra fábrica em Gaia, chegou a empregar 3.700 pessoas «e
foi, sem dúvida, o motor do desenvolvimento de Ovar». Para muitos «era o
paraíso, o futuro era radioso».
Benjamim Rodrigues, da mesma idade de Américo, também dirigente sindical e
com 10 anos de Yazaki, confirma este clima optimista do passado. «O ambiente
da empresa era muito bom entre colegas e no relacionamento com as chefias.
Muitos dos casais que cá trabalham conheceram-se aqui». Mas os tempos
mudaram: «Hoje só há terrorismo psicológico e a administração está a criar um
ambiente para as pessoas se irem embora». Américo, colocado na secção de
manutenção de linhas, e Benjamim, da secção de corte, já foram chamados duas
vezes à direcção de Recursos Humanos para fazerem a rescisão amigável dos
contratos de trabalho, mas recusaram liminarmente. «O meu posto de trabalho
não está à venda», argumenta Benjamim Rodrigues.
A sua mulher também estava empregada na fábrica, mas, depois de vários meses de
baixa por causa de uma depressão, acabou por sair. «O trabalho é muito repetitivo e
a pressão é grande, o que torna frequentes as depressões no pessoal da Yazaki», explica Benjamim. A produção de cablagens para automóveis é um trabalho em linha, monótono, cadenciado, com prazos apertados e cronometrados para duas
tarefas: o corte automático (individual) e a montagem manual (colectiva). São
actividades muito intensivas em mão-de-obra, que explicam a grande
dimensão das fábricas, cada uma empregando centenas ou milhares de
pessoas.
Mas tudo isto não impede que o desempenho da Yazaki Saltano continue a ser
bastante bom. «Somos a melhor fábrica do grupo na Europa e a terceira melhor
no mundo, em termos de produtividade», salienta o mesmo operário. «E, por
isso, não é por falta de qualidade dos nossos produtos ou por perda de
mercados que se fala de deslocalização, mas apenas por uma única razão - a
redução de custos», acrescenta Américo Rodrigues. O dirigente sindical
reconhece que «não é necessária grande qualificação do pessoal para produzir
cablagens automóveis, e a inovação tecnológica, com a introdução da fibra
óptica e de novas máquinas, diminui o número de componentes e reduz as
necessidades de mão-de-obra».
Cláudio Silva explica, por sua vez, que «ninguém sabe ainda quem vão ser os
500 trabalhadores a dispensar. Talvez os do turno das cinco, que custam mais à
empresa, devido aos subsídios do trabalho nocturno». Este delegado sindical, de
27 anos de idade, está na fábrica desde os 17 e recorda que nessa altura «não
havia mão-de-obra suficiente em Ovar para as necessidades da Yazaki, que teve
de ir buscar gente a Aveiro, Porto e Gondomar». O pessoal da Yazaki é jovem,
com uma idade média abaixo dos 30 anos, e um nível de escolaridade entre o 9.º
e o 12.º ano. Mas encontrará alternativas de emprego? «Em Ovar e nos
concelhos mais próximos não encontra, nem na indústria nem no comércio».
Por isso, quando as ameaças de deslocalização se tornaram mais reais, a
Comissão Sindical da empresa fez propostas de diversificação da produção
para viabilizar a fábrica e manter os postos de trabalho. E no final de 2004 a
administração anunciou a hipótese, reforçada em Outubro passado, de virem a
ser fabricados painéis solares e contadores de gás, produtos de maior valor
acrescentado, que exigem maquinaria sofisticada e operários mais qualificados, e
que já são produzidos pela Yazaki noutros países. Os responsáveis da empresa não
fazem neste momento quaisquer declarações sobre o futuro, alegando que
estão a decorrer negociações entre a Yazaki Europa e o Governo português (Agência
Portuguesa de Investimento), informação que o Ministério da Economia confirma.
«Mas a verdade é que a desmontagem e embalagem de máquinas para a Eslováquia
e Turquia tem continuado», revela Américo Rodrigues. Foi o que aconteceu com uma linha de produção que ocupava 60 pessoas, estando agora a empresa a tentar colocá-las noutros sectores. Fernanda Tavares, directora de Recursos Humanos e porta-voz da Yazaki de Ovar, salienta entretanto que «os custos de mão-de-obra e a distância das grandes fábricas de automóveis são desvantagens evidentes para o nosso país».
As grandes multinacionais de cablagens que se instalaram em Portugal estão, de
facto, em debandada ou têm planos para reduzir drasticamente a sua actividade.
Parece um movimento surpreendente num país onde o sector automóvel é o
segundo maior exportador nacional, e onde existe uma importante indústria de
componentes, que em 2004 facturou mais de 4,2 mil milhões de euros e deu
emprego a 40 mil pessoas. Mas é inevitável, com a globalização a bater-nos à
porta, e tanto os dirigentes sindicais como os governantes que autorizaram os
projectos de investimento dessas multinacionais sabiam que, mais tarde ou mais
cedo, nomes sonantes como a Valmet, a Valeo, a Woco, a Alcoa, a Delphi, a
Lear ou a Yazaki saltariam de Portugal para outras paragens onde a
mão-de-obra é mais barata e os grandes fabricantes de automóveis estão mais
perto, como no Leste europeu.
Aloísio Leão, presidente da Associação de Fabricantes da Indústria Automóvel
(AFIA), assinala que «as cablagens representam 15% das vendas e 31% do
emprego no sector das componentes para automóvel, o que mostra a
importância e os perigos que podem derivar da deslocalização, mas fora desta
área o quadro não é tão negro, porque a indústria portuguesa tem vindo a
apostar em produtos de maior valor acrescentado, com resultados muito mais
animadores». O dirigente da AFIA diz que nas empresas nacionais do sector
«não há uma estratégia de deslocalização mas antes de crescimento, e temos
seguido os nossos principais clientes - os grandes fabricantes de automóveis -
para o Leste europeu e para o Brasil, abrindo aí novas unidades industriais». Em
contrapartida, Aloísio Leão recorda que desde 1990 houve pelo menos 15
multinacionais que abandonaram Portugal ou reduziram a sua actividade. E
salienta que, «nos próximos anos, o Leste vai continuar a ser atractivo, não só
pelos incentivos disponibilizados pela UE mas também pela flexibilidade laboral,
pelos custos de transporte e da mão-de-obra, que tem uma formação de base
melhor do que a nossa». Por isso, pode ser uma oportunidade de negócio para a
indústria portuguesa, como salienta Artur Costa, especialista do sector na
consultora Inteli-Inteligência em Inovação: «As empresas do Leste que fornecem
os grandes construtores automóveis têm carências de tecnologia, automação,
qualidade e gestão moderna, enfim, fazem lembrar os nossos fabricantes de
componentes de há 20 anos».
Ovar, com quase 20 mil habitantes, é uma cidade onde 65% da população activa
vive da indústria, sendo a Yazaki o seu maior empregador. Com os ventos da
globalização, o desemprego está a crescer rapidamente no concelho, atingindo
já mais de 11% da população activa, um valor superior à média nacional (7,2%).
«Até há poucos anos Ovar era o concelho com maior empregabilidade no distrito
de Aveiro, mas agora tem mais de três mil desempregados (1/3 do total do
distrito)», afirma o presidente da Câmara de Ovar. Manuel Oliveira sublinha que
a autarquia «apostou demasiado nas facilidades de localização de empresas
sem grandes critérios». O autarca defende, por isso, «alternativas a este modelo
nas indústrias de valor acrescentado, serviços e turismo, como o Sportsforum,
que vai criar 700 novos empregos em Ovar».
Este projecto de 30 milhões de euros é uma parceria entre o grupo Amorim e a
Câmara e introduz um novo conceito em Portugal, que associa um centro
comercial a uma área desportiva. «Mas o Sportsforum só vai estar pronto em
2006 e os ordenados praticados no comércio são em geral mais baixos que na
indústria, rondando os 374 euros do salário mínimo nacional», contrapõe
Américo Rodrigues. E lembra que o salário médio na Yazaki atinge os 700 euros,
mais prémios e regalias sociais. Por isso, o dirigente sindical não desarma: «Vou
resistir na empresa até ao fim. Só quando não puder mais é que me vou
embora».(in «Expresso»)
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