O Dino morreu, viva a TVI
Morreu o Dino, sabias? Foi assim que todas as crianças repetiram a notícia que para elas era a do Domingo de Páscoa. O Dino, o loiraço armadão dos Morangos com Açúcar, não o Francisco Adam: do Francisco só terão aprendido o nome nos teasers que a TVI foi inserindo em cima de todos os programas do dia, com o anúncio do óbito a remeter para as notícias da noite. "Veja como tudo aconteceu no Jornal Nacional", antecipavam, (pouco) subliminarmente, os "corridos" no ecrã sobre as proezas da Tomb Raider.
Às oito, o noticiário "nobre" da estação abria com a "estória" da morte do rapaz de 22 anos que foi modelo e agora era do elenco dos Morangos. O local do despiste do carro que conduzia, os eucaliptos contra os quais capotou, directo da porta do hospital "onde está o corpo", perguntas a uma médica sobre a entrega do cadáver à família, presença em estúdio da sorridente directora de actores da novela, para confirmar que sim, que o Dino/Francisco era muito popular e tinha muito potencial e, claro está, a vida toda à frente.
O programa da manhã seguinte voltou à carga, com um especial "a tragédia da TVI". Mas a pièce de résistance veio na terça, com a transmissão integral da missa de corpo presente e daquela espécie de funeral de autógrafos que levou milhares a Runa. Raras vezes se terá assistido a um tão acabado exemplo de autofagia mediática e de canibalismo sentimental como nesta exponenciação do impacto de uma morte "da casa". É certo que, no seu afã de evidenciar ser sempre possível descer mais baixo, a TV portuguesa tem demonstrado que a náusea de ontem é a normalidade de hoje. E que se pode sempre argumentar ser anacrónico elitismo defender que o que vale para Amália não se aplica a um actor estreante de novela adolescente. Ou até dizer (como já se disse), que a "culpa" reside na família e no padre, que autorizaram as câmaras no templo. Como quem diz: a natureza da TV é mostrar, explorar, devassar, vender. Ai de quem não lhe souber resistir. Ai de quem não seguir o exemplo da Junta de Freguesia de Runa, que interditou a tomada de imagens no cemitério. Ai de quem não saiba reconhecer limites e impô-los. E ai de quem ainda acredite no bom senso e na auto-regulação. («DN»)
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