segunda-feira, janeiro 08, 2007

Futuro negro nos componentes automóveis
Ano bate à porta com desemprego

Lisete Silva tem apenas 26 anos, mas muitos problemas para resolver. Começou a trabalhar muito nova, há uma década, numa empresa rotulada de “exemplar”, e mesmo sendo solteira resolveu aventurar-se, há sete anos, no pagamento de um apartamento.

Na última sexta-feira estava já em casa quando uma colega lhe mandou uma mensagem para o telemóvel com apenas duas palavras: “Despedimento colectivo.” Era este o resultado da reunião entre a administração da Yazaki Saltano e a comissão de trabalhadores, em Ovar, e que Lisete aguardava impaciente que terminasse.
Depois desta notícia, que para ela foi “uma bomba”, a jovem afirma que passou “a noite em claro”. “Estou desesperada. Já tinha dificuldades a pagar a casa com o ordenado e agora, se ficar sem emprego, vou de certeza perdê-la”, diz numa voz sumida, enquanto os olhos ficam mareados com lágrimas.
Lisete é apenas uma mulher, entre os 533 trabalhadores da multinacional japonesa que vão ser despedidos, após o fecho de uma das duas linhas de produção de cablagens eléctricas para os automóveis Toyota. Restarão depois apenas 450 operários.
Nesta fábrica, que já em 2005 enfrentou outra crise idêntica, com a dispensa de 800 trabalhadores, todos os casos mereciam ser contados. Trata-se sobretudo de mulheres, com longos anos de trabalho naquela empresa, que têm filhos para criar, despesas para pagar e, muitas delas, maridos que estão desempregados ou em situação de emprego instável.
Esta começa a ser a imagem de uma larga fatia da população que reside na região industrializada do Norte do distrito de Aveiro. Crises sucessivas no sector do calçado, têxtil, madeiras, metalurgias e agora nas indústrias eléctricas atiraram milhares para o desemprego. A falta de qualificações, a idade e a ausência de alternativas só lhes deixam duas saídas: sobreviver de biscates ou tentar a sorte no estrangeiro.
Para já, Lisete não assume tal desespero. É nova e tem força de vontade. “Se me derem uma oportunidade, seja no que for, eu vou provar que consigo”, salienta, num momento de energia em que o olhar, esse, continua triste.

PERFIL

Lisete Silva deixou a escola aos 16 anos para começar a trabalhar na Yazaki. É solteira, ganha 500 euros mensais, de onde retira 325 euros para o empréstimo da casa. O resto é para pagar as contas, pelo que não sobra nada. Actualmente tem meia prestação em dívida ao banco e não sabe por mais quanto tempo vai conseguir manter a casa. As compras na mercearia também vão passar a ser mais pequenas, quando apenas puder contar com o ‘magro’ subsídio de desemprego.

TRABALHADORES JÁ NÃO ACREDITAM NA YAZAKI

“Sempre nos fizeram sentir que, desde que trabalhássemos, teríamos emprego garantido. Fizeram-nos sonhar, mas agora tiram-nos o chão debaixo dos pés”, salienta Rosa Monteiro, de 34 anos, trabalhadora há 14 anos na Yazaki. Esta, tal como outros funcionários, deixou de acreditar no futuro da empresa em 2005. “Esse foi o ano de todas as desilusões”, confessa.

Desde aí, os que conseguiram escapar à deslocalização de parte da produção, passaram a ficar “com o machado pendurado acima da cabeça”. “Sabíamos e sabemos que mais tarde ou mais cedo a fábrica vai fechar. No entanto, penso que a administração está a despedir aos poucos para não lhe caírem em cima com tanta força.”

Quanto à possibilidade de encetar formas de luta contra mais este despedimento – estão previstos para hoje plenários de trabalhadores –, Rosa Monteiro diz que “nada disso os vai fazer voltar atrás”.

A desilusão é geral e alguns trabalhadores, contactados pelo CM, adiantam que “se nos primeiros meses não encontrar trabalho, a única solução é emigrar”. Outros avançam com a possibidade de rescindir o mais rápido possível e argumentam que “o clima dentro da fábrica é insuportável. Cada minuto que se lá passa, a remoer, acaba com a saúde”.

APONTAMENTOS

HISTORIAL

Quando veio para Portugal, há duas décadas, a Yazaki Saltano foi apontada como uma empresa exemplar e rapidamente se tornou uma das principais empregadoras do País. Produz cablagens eléctricas para a indústria automóvel.

APOIOS

Quando se instalou em Ovar, a empresa recebeu 1,7 milhões de euros de vários programas comunitários e nacionais, nomeadamente para a formação de quadros. Beneficiou ainda da compra de 20 hectares de terreno a preços simbólicos.

FUTURO

Depois de deslocalizar duas linhas de produção para a Eslováquia e Turquia, com perda de 800 postos de trabalho, esta é a segunda grande crise na Yazaki. A multinacional está, em Portugal, a trabalhar em exclusivo para a Toyota, e por isso dependente das decisões do fabricante japonês. O encerramento da produção do Corolla manda agora 533 pessoas para a rua, mas a linha do Avensis não garante o futuro.
(Com a devida vénia de «O Correio da Manhã»)

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