domingo, julho 23, 2006

Plágio afecta teses e obras literárias,
tendo na Internet uma auxiliar


Os plágios, com exemplos nas teses e nas obras literárias, são uma "dor de cabeça" para os professores portugueses e têm conseguido manchar o nome de vários estabelecimentos de ensino e de autores consagrados.
Na opinião de Mário Cláudio, escritor e docente na Universidade Católica do Porto, o problema passa pelo facto de "a questão da autoria estar em decadência", mas é agravado pela facilidade com que hoje se faz um "copy-paste" a partir da Internet.
"É muito difícil controlar os plágios nesta era das novas tecnologias, sobretudo porque os professores têm tantos alunos que não chegam a conhecê-los bem, sendo difícil avaliar se um determinado trabalho foi ou não escrito por um determinado estudante", apontou.
"Tive uma situação de plágio na Escola Superior de Jornalismo do Porto, onde dei aulas, e anulei o trabalho, mas reconheço que me podia ter escapado, pois nenhum professor pode estar inteiramente seguro", disse.
Para o escritor portuense, "trata-se acima de tudo de uma questão de ética", mas o problema "afecta até figuras públicas, como sucedeu há uns anos [Fevereiro de 2003] com uma escritora portuguesa [Clara Pinto Correia] que copiou um artigo de uma publicação estrangeira [The New Yorker], o que constitui um plágio grosseiro".
O caso português registou-se dois anos após as acusações de plágio a Camilo José Cela e três anos antes das que visaram Dan Brown.
Em Março de 2001, o autor espanhol Camilo José Cela, distinguido com o Nobel da Literatura em 1989, foi acusado de copiar, quase literalmente, textos do jornal "La Voz da Galicia" para o seu livro "A Cruz de Santo André".
Este ano, em Abril, o escritor norte-americano Dan Brown, autor de "O Código Da Vinci", foi ilibado num processo em que Michael Baigent e Richard Leigh, autores de "O Sangue de Cristo e o Santo Graal", o acusavam de ter copiado ideias da obra que haviam publicado.
Na ficção ou no meio académico, os plágios são situações que se revestem sempre de particular delicadeza, como sublinhou à agência Lusa o professor José Rebelo, do departamento de Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE).
"Quando se conclui que um aluno agiu com intenção, a relação de confiança entre o orientador e o orientando e entre o candidato e a instituição fica ferida, mas convém perceber primeiro se o estudante não procedeu por desconhecimento, nomeadamente por não saber os limites da citação, o que também se verifica", esclareceu.
"Deparei-me com um caso numa licenciatura, antes do acto público de defesa da tese, e chamei a pessoa à parte", referiu o docente, para quem, com a Internet, os plágios se tornaram "cada vez mais fáceis para os alunos e mais difíceis de controlar para os professores, embora estes disponham de algumas formas de os detectar".
Outra situação foi recordada por Regina Marques, professora no curso de Comunicação Social da Escola Superior de Educação de Setúbal.
"Tivemos uma situação em 1995, com uma aluna que frequentava o terceiro ano e que entregou um trabalho acabado de outra pessoa", recordou, indicando que, para resolver "o episódio embaraçoso", foi organizado um pequeno júri "e a aluna teve de refazer o trabalho".
"Há universidades no estrangeiro em que o plágio dá origem à expulsão do aluno, mas não tomámos outras medidas porque o regulamento da escola não o previa e porque não queríamos condenar a aluna, mas foi uma decepção em relação ao seu carácter", afirmou Regina Marques.
Para esta docente, "a técnica do `corte e costura' a partir de textos retirados da Net está a tornar-se cada vez mais frequente", pelo que "talvez valesse a pena explicar aos estudantes porque é que o plágio é errado, embora no ensino superior isso já devesse ser óbvio".
Começar mais cedo a esclarecer os alunos sobre a gravidade do plágio, uma vez que não é só nas universidades que a questão se põe, podia ser uma solução, mas Mafalda Afonso, professora de Psicologia e Filosofia na Escola Secundária Miguel Torga, em Massamá, tem dúvidas.
"É claro que os professores podem sempre alertar nas aulas, mas nem todos os alunos terão igual sensibilidade para a ética, além de que, ao verem-se aflitos, muitos estudantes não resistem a enveredar pelo caminho mais fácil", declarou.
Segundo Mafalda Afonso, "a Internet tornou-se uma ferramenta de pesquisa tão exclusiva que os estudantes já nem consultam livros ou jornais, mas, se ela facilita o `copy-paste', também ajuda os professores a procurarem marcas das fraudes, até porque, devido a isso, os alunos chegam a entregar textos em português do Brasil".
Para contornar o problema, esta professora mudou de método:
"Passei a valorizar a apresentação em aula, onde posso avaliar a capacidade crítica dos alunos, em detrimento do trabalho escrito".
Não ter noção de que o plágio é um crime que lesa os direitos de autor - ou ter essa percepção e mesmo assim concretizá-lo - é um drama que a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) também conhece.
No caso da música há plágio a partir da repetição de um certo número de compassos, "mas na literatura pode ser menos evidente" explicou José Jorge Letria, vice-presidente da SPA, à agência Lusa.
"A questão do plágio só se tem levantado quando um autor da SPA pede a nossa intervenção, sendo então nomeada uma comissão técnica, composta por escritores, que avalia questões de estilo para ver se se justifica avançar com um processo".
Apesar de não haver razão para alarme - pois as acusações de plágio nunca excedem as duas ou três por ano - José Jorge Letria assinalou que "essas ocorrências se tornam mais constrangedoras quando o acusado também é associado da SPA, o que já aconteceu".

Helena de Sousa Freitas, da Agência Lusa.

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