domingo, janeiro 11, 2009

Embarcações que foram marcos históricos
produto da Arquitectura Naval Lagunar


Antes da completa formação da Laguna - e tenhamos presente que ainda no Séc. XIII ela não estava totalmente formada[1] - as embarcações subiam o Vouga até bem lá para o seu interior, já que o rio era perfeitamente navegável em larga extensão: - cerca de 5 léguas, permitindo o acesso (a embarcações de alto bordo) até ao golfão onde confluía com os rios locais, Águeda e Cértima, e subindo até Pessegueiro do Vouga, já bem próximo dos grandes centros produtores, dispersos ao longo da via legada pelos romanos, que ligava Eminium a Calle (Porto)[2]. Certamente que para transbordo das mercadorias existiria já nesse tempo um tipo de embarcação com a designação genérica de barca[3], um tipo simples de barco de fundo chato, abicado nas duas extremidades, permitindo navegar nos dois sentidos - o ideal para zonas fluviais estreitas e pouco profundas - com deslocamento já relativamente elevado, de três a cinco tonéis, puxado a remos, ou por uma simples vela de pendão, já que a navegação rio acima ou rio abaixo, não exigia, ou até não permitia, qualquer outro tipo de aproveitamento do vento que não fosse o de trás.



O mesmo tipo de barcas, ter-se-iam, desde tempos anteriores, certamente usado no Rio Mondego, pelo que é de concluir poderem essas barcas, inicialmente usadas no Rio Vouga, em tempos anteriores à formação da Laguna, serem de linhas próximas das barca do Mondego. Este tipo de embarcação perdurou até muito mais tarde, pela simples razão de, as condições onde labutava e a finalidade para que era requerida não terem sofrido alteração, durante séculos. Mas logo que a Laguna concluiu a sua formação, e que por assoreamento as embarcações de alto bordo tiveram que restringir o acesso à Calle principal de Aveiro (única navegável por embarcações de alto bordo), fazendo desta o novo centro mercantil por excelência de toda a região, as distâncias a navegar, para entrega ou aquisição de produtos aumentaram (Aveiro - Ovar - Mira - Vagos - Águeda, etc), exigiam apuramento das qualidades náuticas das embarcações que as deveriam praticar. Especialmente o transporte de sal, uma das mercancias que emoldurou o panorama lagunar, requerendo um transporte adequado, próprio, tal a intensidade de movimentação necessária, para dar vazão ao seu escoamento: ora transportando-o dos armazéns para as embarcações que o vinham carregar, a Aveiro, ora levando-o para os portos secos (inúmeros ao longo da Laguna), de onde era enviado por terra para os locais que dele necessitassem. O caderno de encargos que se colocou à mestrança naval, agrupada em pequenas unidades familiares, distribuídas por toda a área lagunar (embora com especial incidência em Aveiro, Esgueira, Ílhavo, Murtosa, Pardilhó e Ovar), exigia para:



Caderno de encargos do Mercantel


- Uma embarcação com capacidade para uma carga de 15 ton de sal (ou outra)
- Uma embarcação de pouco calado (não mais de um metro, quando carregada)
- Uma embarcação rápida, capaz de navegar em diversas mareações (popa, bolina, largos)
- Uma embarcação sem remos, utilizando a vara como auxiliar de deslocação
- Uma embarcação equipada com leme de porta, ao nível da linha do fundo, movimentado por charolo
- Uma embarcação com proa coberta, capaz de albergar, abrigada do tempo, a tripulação.

E assim nasceu, o Mercantel, barco símbolo do trabalho na laguna, «pau para toda a obra», que se viria a utilizar para os mais variados e diferenciados fins: barco de carreto, (especialmente no transporte de sal onde tomou o nome de saleiro, da sardinha, lenha, areia e outros), e barco de passage, no transporte de pessoal inter-lagunar.
(in «arquitectura lagunar»)

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