quinta-feira, janeiro 22, 2009

Jóias de azulejaria na Estação de Ovar

A persistência contra a displicência…
TEXTO: M. Pires Bastos

Há uma década, preocupada com o mau estado de conservação da estação de caminhos de ferro de Ovar, a Junta de Turismo local conseguiu não só provocar o restauro do edifício, mas ainda evitar que se perdessem para sempre, como coisa inútil, algumas jóias artísticas da azulejaria ovarense.

O processo iniciou-se em 13/10/1976, na Direcção do Dr. José Macedo Fragateiro, através de uma carta ao Director da Região Norte da CP, em que se pedia, entre outras obras, “o restauro dos painéis em azulejo existentes na gare da estação desta vila, peças consideradas de certo valor e que convém preservar quanto antes”.
Após insistência, vem a resposta em 30/8/1977: Quanto aos azulejos artísticos, “dado o mau estado dos mesmos, quase em ruína os do lado da plataforma, não é possível, pelo menos nestes últimos, qualquer reparação”, aceitando que os primeiros sejam substituídos por outros com motivos vareiros e os segundos /os voltados para o Largo Serpa Pinto), caso a Junta de Turismo os queira conservar, poderão ser objecto de apreciação.
A Junta rejubila com esta decisão, pedindo, de imediato (6/9/1977), “que sejam preservados todos aqueles que ainda o mereçam, e que aqueles que vierem a ser retirados nos sejam cedidos para, em colaboração com o Museu de Ovar, serem reaproveitados”.
Em 27/9, a CP (F. Ávila) insiste em que “não podem ser aproveitados os azulejos” para os fins em vista. Mas a Junta de Turismo, agora presidida por Afonso Themudo, não desarma, pedindo a visita de um técnico.
Novo e feliz capítulo se abre neste processo com a vinda a Ovar do Dr. Rafael Salinas Calado, do Museu Nacional de Arte Antiga, que dá preciosas indicações, e que confessa: – “Surpreendido pela riqueza de azulejos dessa Vila, manifesto o meu sincero entusiasmo pela obra que vêm realizando no sentido da defesa do seu património (…)”.
Pelo que se depreende das referências displicentes e das intenções demolidoras da CP quanto a este assunto, é unicamente à então Junta de Turismo do Furadouro (e em particular ao seu dedicado funcionário José Maria Fernandes da Graça) que Ovar fica a dever a recuperação e a preservação dos artísticos painéis azulejados da Gare da nossa Estação dos caminhos de ferro, seis dos quais ficaram propriedade da Junta de Turismo e um na posse do Museu. (O único que saiu de Ovar, e que representa uma ponte ferroviária – Pego, Macinhata da Seixa, Oliveira de Azeméis –, foi entregue à CP, de acordo com o pedido feito por esta em carta de 18/12/1978, quando era preciso tomar uma decisão definitiva, por se terem já iniciado as obras de restauro da estação).
Todo o trabalho de arranque, colagem, marcação, encaixotamento, restauro e montagem (em caixilhos) dos azulejos importou apenas – pasme-se! – em 30 000$00. E pense o leitor que, na opinião dos responsáveis da CP, todo este espólio artístico estava condenado a ir parar a uma entulheira!

Questões de Arte à volta dos painéis

Para substituir os painéis removidos, tinha a nossa Junta de Turismo encomendado novos motivos pictóricos originais à Pintora vareira Beatriz Campos, que aceitou gostosamente o encargo, entregando os trabalhos para serem passados ao azulejo.
Lá estão, de facto, na gare da estação de Ovar, as reproduções dessas pinturas, mas com um senão: não consta nelas o nome da sua Autora. É que, embora a um leigo na matéria tudo pareça estar perfeito, à Artista não passaram despercebidos graves deficiências. E de tal forma ela sentiu a ofensa que proibiu que nesses registos figurasse a sua assinatura.
Já em 1917, com os antigos painéis, surgira um problema idêntico, com a curiosidade de também se relacionar com artistas vareiros – Ricardo Ribeiro e seu filho António –, cujos trabalhos fotográficos, considerados de grande perfeição, terão sido também prejudicados com a transposição para o azulejo.
Isso mesmo nos é referido no texto “Azulejos da Fonte Nova”, publicado pelo historiador aveirense Marques Gomes no “Campeão das Províncias” de 21/7/1917, transcrito no “Litoral” de 28/2/1986, na secção “Arca de Antiguidades”, de Humberto Leitão.

«Azulejos da Fonte Nova

É enorme a azáfama que vai na Fábrica da Fonte Nova com a confecção de azulejos artísticos, a fim de se concluir uma importante encomenda do sr. conde de S. João de Ver, em que figura um largo e lindíssimo lambrim, para o seu palacete da Feira, puro estilo do séc. XVIII, com a reprodução das ilustrações dos “Lusíadas”, edição do Morgado de S. Matheos, e terminar o revestimento da estação de Ovar, obra de largo alcance pela beleza dos seus pameaux, que disputam primazia aos das de Aveiro, Estarreja e Granja, pois são executados, na sua maior parte, por soberbas fotografias dos srs. Ricardo e António Ribeiro, exímios fotógrafos daquela laboriosa vila.
A propósito dos azulejos já ali dispostos, e que, como os das demais estações com eles decoradas, mereceram há poucos dias o aplauso do pontífice máximo no assunto, hoje em Portugal, o sr. Jorge Colaço, estabeleceu-se há meses num jornal dali rija polémica, em que, quanto a nós, a vitória coube aos que brilhantemente sustentaram que, se nos pameaux havia senões, estes não eram devidos à estética expressa nas fotografias.

O revestimento de azulejos artísticos nas estações já referidas é um alto serviço que bem merece a consagração e louvor dos amigos da Arte e das coisas portuguesas, e em que cabe não pequeno quinhão ao desvelo e aptidões do sr. Duarte de Melo, distinto chefe da 5.ª secção de via e obras dos caminhos de ferro Portugueses, pois foi ele quem, da direcção da Companhia, conseguiu este grande melhoramento.
Os pameaux agora pintados são reprodução, tanto quanto possível fiel, dos lindos trechos de paisagem vareira, tais como Madria, Lavadeiras no lago da Madria, Moinho das Luzes, Açude no Casal, Ponte do Cergal, etc. tudo maravilhosamente, impecavelmente fotografado pelo sr. António Ribeiro.
Parabéns, pois, a Ovar e a todos os que concorreram para o embelezamento da sua estação ferroviária, e a que tão distintamente fica ligado o nome já vantajosamente conhecido da Fábrica da Fonte Nova.»

Urge salvar os painéis que restam



Permanece ainda à vista na fachada poente da Estação de Ovar, no Largo Serpa Pinto, metade dos antigos azulejos fabricados na Fonte Nova (Fábrica Aleluia) em 1917.
Que são belos e expressivos, todos o constatamos.

Só que se encontram em estado de abandono, em contínua e lamentável degradação!
Para que não se perca toda esta riqueza artística exigem-se novas providências por parte dos Pelouros do Turismo e da Cultura da nossa Câmara, uma vez que foi extinta a Junta de Turismo com a criação da Rota da Luz (ainda em fase de adaptação aos novos esquemas da Regionalização), ou, por que não, através da própria CP, agora, por certo, mais alertada e mais consciente da sua responsabilidade nestas delicadas questões do património cultural.

Artigo publicado no quinzenário ovarense
JOÃO SEMANA (1 de Junho de 1986)

2 comentários:

Anónimo disse...

23 anos depois e a conversa continua válida, senão mesmo mais pertinente que nunca ...
Não há um designio que nos mova!
Os nossos "líderes" são de uma miopia imensa, que todos iremos pagar muito caro no futuro não muito distante.
Continuemos pois, assim ...

Anónimo disse...

a estação de Ovar é uma vergonha. os azulejos tão como estão, não existe condições de segurança no atravessamento. Enfim, estamos no melhor do século passado numa estação que recebe milhares de passageiros de toda esta região entre o Douro e Vouga. Uma vergonha!!
Aquilo que a Refer chama de verdadeiras máquinas a vender bilhetes e fez reduzir o pessoal contratado para as bilheteiras não trabalham de todo ou parcial. pagamento multibanco é k já não existe há vários meses...
enfim... em ovar é assim. e ninguém faz nada. é incrível

JB