quinta-feira, dezembro 04, 2025



A Praça das Galinhas - Por Edgar Branco
A cidade inteira desperta num frenesim constante, um vaivém que começa ao nascer do dia e se prolonga até


ao anoitecer. As pessoas juntam-se para tudo — um pequeno-almoço bem quentinho, um café antes e depois


do almoço, uma cerveja acompanhada de tremoços e amendoins, e, mais tarde, novos brindes que se estendem


até altas horas.

A vida não para, e a Praça das Galinhas é um dos lugares onde ela mais pulsa. Um largo escondido, mas


sempre cheio de movimento, cercado de edifícios antigos que parecem assistir, impassíveis, ao fluxo de gente


que por lá circula. O burburinho nunca cessa, mas mantém-se sempre dentro de um limite aceitável, uma


espécie de caos moderado, onde cada som tem o seu lugar.

Hoje, na praça, está o petiz Delfim, um rapaz de nove anos, sentado ao lado do pai, o Senhor Delfim. No Café


Chico, debaixo da sombra de um toldo gasto, esperam pela chegada do tio Artur e do seu filho, Arturzinho, que


tem oito anos.

Assim que os avistam, a alegria instala-se. O largo é amplo e generoso, com espaço suficiente para as correrias


e brincadeiras dos miúdos. Não há receio de carros ou de perigos ocultos — ali, a infância é livre para se gastar


entre saltos, risadas e histórias inventadas.


— Ide lá brincar! — ordena o pai Delfim, acenando com a mão.


— Sim, sim, desamparem a loja! — reforça o tio Artur, soltando uma risada.


Os adultos ficam para trás, mergulhados nas conversas aborrecidas sobre a vida — os preços que teimam em


subir, os empregos inseguros, as preocupações com o futuro. Para eles, a praça é um refúgio de rotina. Mas


para Delfim e Arturzinho, é um território de aventuras.


Com olhares traquinas, os dois abandonam os sumos na mesa e lançam-se à brincadeira. Correm daqui para


ali, saltam sobre os bancos de pedra, inventam desafios invisíveis. E, claro, respeitam a regra fundamental: não


incomodar os adultos. Esse era o pacto silencioso entre gerações.


De repente, Artur pára, franzindo o sobrolho.

— Ó Delfim, tenho uma pergunta! — diz, hesitante. — Sabes porque é que chamam a este sítio Praça das


Galinhas?


Delfim, um ano mais velho, sente o peso da sua autoridade. Esse ano de diferença traz-lhe um estatuto


inquestionável, e Artur olha para ele como um verdadeiro oráculo do saber.


— Praça das Galinhas? Claro que sei! — responde, com ar superior.


— Tens a certeza? — Artur torce o nariz. — O meu pai não soube responder…


— Pois o meu pai sabe! Sabe tudo! — Delfim enche o peito de orgulho. — Queres que te conte a história?


— Quero! — Os olhos de Artur brilham de curiosidade.


Delfim inclina-se para a frente, estreitando os olhos.


— Mas olha lá… depois não vais contar ao teu pai, nem te vais pôr a chorar, hein? Esta história não é para


meninos!

Artur engole em seco. Ele é mais frágil, mais inocente, e tem medo de tudo. Mas a curiosidade fala mais alto.


Ele não pode dar parte de fraco.


— Achas?! Nada disso! — responde, limpando o nariz com a manga da camisola, num gesto desajeitado.


— Então prepara-te! — Delfim ajeita-se no banco, assumindo o tom sério de quem transporta um segredo


ancestral. — Esta história é complicada e foi-me contada pelos adultos. Pelo meu pai, neste caso.


A tensão cresce. Artur inclina-se, sem pestanejar.

— Há muitos, muitos anos… mesmo antes dos nossos pais nascerem… este lugar não era uma praça normal.


Aqui aconteciam coisas que hoje ninguém quer lembrar. Aqui… havia lutas de galos.


O anzol está lançado. Artur já não consegue escapar. Ele precisa de ouvir até ao fim.


Delfim saboreia o momento, como um contador de histórias experiente, pronto para arrastar o primo para um


mundo onde realidade e lenda se misturam.


A verdadeira história da Praça das Galinhas está prestes a ser revelada.

(Continua)

Edgar Branco https://www.ovarnews.pt/a-praca-das-galinhas-por-edgar-branco/

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