…Quando acabaram as sardinhas, acabou definitivamente a grande arte xávega.”
O universo “vareiro” ultrapassa largamente as fronteiras do nosso concelho e representa o aspecto mais relevante do contributo ovarense para a diversidade cultural portuguesa . Os “Vareiros” , varinos ou ovarinos destacam-se dos ovarenses pela sua relação íntima com o mar oceano, materializando-se essa relação na denominada Arte Xávega, arte que para muitos e por enquanto, dispensa explicações, porque ainda muito próxima do nosso tempo. A Arte Xávega, que atingiu o seu auge na denominada “Grande Arte Xávega”, era o suporte de uma indústria instituída em Ovar por um extraordinário homem chamado Pedro Mijoule, estrangeiro oriundo do sul de França. A chegada de Mijoule a Ovar foi sem sombra de dúvida um dos aspectos mais revolucionários da nossa história local, sendo a história deste homem por si só justificação suficiente para uma grande sala nos arquivos da nossa memória colectiva, estímulo e exemplo para as gerações mais novas arriscarem no espírito empreendedor, evocado recentemente num artigo deste jornal pelo Dr. Armando França.
Um dos aspectos que sempre me fascinou na Arte Xávega foi o da organização colectiva subjacente naquela enorme confusão de gente, bois, redes e paus… As vozes de comando, a articulação entre os bois e a rede, simbiose entre lavradores e pescadores, as dezenas de remadores em sintonia determinante para vencer a rebentação das ondas, e que rebentação por vezes era…
Destas tarefas perfeitamente hierarquizadas e sincronizadas dependia o sucesso da “companha” e o bem estar de todos.
È pois, neste sentido de busca exemplar na história em tempos em que a vida não era fácil se comparada com os actuais padrões de desenvolvimento, que se revela pertinente uma política museológica séria e consequente em Ovar, estruturada num amplo território temático: a relação de Ovar com a água, articulada com os territórios educativos, campo fértil de futuros desenvolvimentos. Esta óbvia observação que identifica os sistemas ecológicos “aquamórficos” como estruturantes da génese e desenvolvimento de Ovar, do sal à pesca, dos moínhos à agricultura, dos transportes ao lazer, representa inúmeras possibilidades de candidaturas a fundos da comunidade europeia. Desde o património, material e imaterial, à cultura, à regeneração urbana, á reconversão paisagística e ambiental… Portanto, devemos, como cidadãos, perguntar à autarquia o que está a ser feito neste sentido, sob pena de mais uma vez, ficarmos a contemplar as boas iniciativas dos outros, nomeadamente em alguns concelhos que com menor potencial identitário fazem muito mais.
As dinâmicas, abrangências e múltiplas competências que se têm vindo a concentrar no poder autárquico exigem da gestão autárquica uma sintonia, uma articulação e uma agilidade de sistemas operativos que muito sinceramente não observamos frequentemente. È necessária uma profunda reforma do sistema autárquico em Portugal, isto para não ficar só pelo município de Ovar. Mas como esta reforma ainda vem longe, se vier, teremos que nos refugiar nos modelos que apontam para parcerias e acções conjuntas, utilizando a agilidade e capacidade dos cidadãos, das associações, grupos e organizações na implementação de algumas estratégias de desenvolvimento, com acompanhamento e avaliação rigorosa de procedimentos, como convém em qualquer acção envolvendo meios públicos. Penso que é neste território que podem residir algumas das soluções inovadoras na gestão autárquica, libertando a pesada e complexa máquina para acções de acompanhamento e avaliação no território.
As cidades criativas, agregadoras de diversidade e inovação concentram-se nesta partilha de acções, sendo o campo das produções artísticas o mais visível e fecundo na criação de uma massa crítica livre e informada. È esta massa crítica que deve entrar no campo das decisões colectivas, o que raramente acontece pois a natureza do exercício do poder é adversa à presença de liberdade no pensamento. E, sendo real esta constatação, como podemos confiar na isenção das opções políticas? Percebe-se portanto a preocupação do Presidente da República em focalizar o seu discurso de Abril na ausência de jovens na política. É que, normalmente, são as gerações mais novas que colocam o patamar da liberdade no pensamento um pouco mais elevado… Veja-se a média etária, e as fotografias, dos protagonistas do poder no 25 de Abril.
Quando comecei a escrever este artigo pensava numa estratégia colectiva para trazer para Ovar alguns dos fundos comunitários, estratégia alicerçada na elaboração de projectos no âmbito da rede museológica do Concelho… por exemplo.
Helder Ventura in «Azuleante».
Sem comentários:
Enviar um comentário