sexta-feira, dezembro 14, 2007

«Os desencantadores
das cidades antigas


Lisboa (...) conserva, porém nos meios populares que mergulham as raízes no mar, alguns tipos originais, que se recortam da trivialidade. De entre eles, destaca-se o da varina, mulheres naturais, ou de ascendência próxima, de Ovar, Aveiro e Estarreja, que evoluiram gradualmente no sentido lisboeta, sem perderem contudo o seu tipo. O traje é gárrulo, o pisar ondulante, rítmico até à sugestão artística, o busto é airoso, de ancas finas e peito túrgido, a cabeça é patrícia, sob um lenço polícromo que só cobre a nuca e cai em ponta sobre a espádua elegante. Na sua maioria a varina é bonita, de pele branca que o sol não chega a crestar e de olhos vivos e maliciosos: a ascendência remota dizem os sábios que é fenícia, tal a proa de certos barcos das costas norte de Portugal.
A varina percorre a cidade vendendo peixe, mas muito mais se topa, na pureza primitiva do tipo, nos mercados da Ribeira Nova e da Praça da Figueira, à margem do rio nas lotas e na descarga do peixe. Sedução para os artistas, a varina é um precioso mistério para os sábios, uma realidade viva para os desencantadores das cidades antigas. O seu bairro é a Madragoa».





(Fotografias: Joshua Benoliel 1912 e Fernando Martinez Posal 1948 e Agnes Varda 1953;
Texto de Norberto de Araújo em Lisboa, Edições SPN, Lisboa, in «Dias que voam»)

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