terça-feira, abril 08, 2025

Nos últimos anos assistimos a uma crescente preocupação com o impacto dos conteúdos


digitais na formação das novas gerações. A série britânica Adolescência, que aborda a


disseminação de discursos misóginos e a influência da comunidade incel entre os jovens,


tornou-se um fenómeno cultural e levou o governo britânico a disponibilizá-la


gratuitamente para exibição nas escolas e liceus. Esta decisão reflete uma abordagem


educativa e preventiva, reconhecendo que a radicalização ideológica não ocorre apenas em


espaços físicos, mas também no universo digital pelo que Portugal deve acompanhar esta


tendência e considerar medidas semelhantes, reforçando o papel da educação na


desconstrução de narrativas de ódio e misoginia que proliferam nas redes sociais.

A radicalização online e o crescimento da misoginia digital não são fenómenos isolados,


mas sim sintomas de um problema social mais profundo. A comunidade incel, tema central


da série, não surge num vazio cultural, representando uma manifestação extrema da


frustração masculina associada a normas de género rígidas e a um sentimento de exclusão


social. Muitos jovens, particularmente do sexo masculino, sentem dificuldades em lidar


com rejeições emocionais e interpessoais, encontrando nas redes sociais e em fóruns


fechados um espaço onde essas emoções são amplificadas e manipuladas por


desconhecidos. A falta de literacia emocional e digital torna-os mais vulneráveis à


propaganda misógina, que apresenta as mulheres como culpadas pelas suas dificuldades


pessoais, fomentando um perigoso ciclo de ressentimento e ódio.

Em Portugal, especialistas alertam para um retrocesso nos padrões de respeito pelas


mulheres e para um aumento da vulnerabilidade das jovens perante discursos de dominação


masculina. A Confederação Nacional das Associações de Pais e vários psicólogos


educacionais sublinham que os pais, frequentemente, não possuem as ferramentas


necessárias para orientar os filhos na interpretação crítica dos conteúdos digitais que


consomem, por isso a literacia digital e a regulação emocional são componentes


fundamentais que deveriam ser mais exploradas no sistema educativo.

A decisão do Reino Unido de integrar a série Adolescência no currículo escolar revela um


reconhecimento de que a escola também deve educar para a cidadania e para uma


convivência social saudável. O combate à misoginia digital deve ser tratado de forma


estruturada, com a implementação de planos educativos que incentivem o pensamento


crítico e a empatia. Portugal poderia seguir este exemplo, promovendo o debate sobre este


tema nas escolas, mas também criando estratégias pedagógicas para desmontar discursos de


ódio e sensibilizar os jovens para o impacto das suas interações digitais.

Para além da dimensão educativa, é imperativo reforçar a regulamentação das plataformas


digitais. O Reino Unido já aprovou uma lei de segurança digital, impondo às redes sociais a


responsabilidade de remover conteúdos ilegais e reduzir a exposição dos jovens a discursos


misóginos, violentos ou de incitação ao ódio. Em Portugal, embora existam algumas

iniciativas legislativas relacionadas com o combate à desinformação e ao discurso de ódio


online, falta um quadro normativo robusto que responsabilize efetivamente as plataformas


digitais e crie mecanismos de proteção eficazes para os jovens.

A exibição da série Adolescência nas escolas britânicas pode ser um ponto de viragem na


forma como se encara o papel do sistema educativo na prevenção da radicalização online.


Portugal não pode ignorar esta realidade e deve refletir sobre a necessidade de políticas


públicas que promovam uma abordagem que combine educação, regulamentação digital e


apoio psicossocial.

Diogo Fernandes Sousa


Escritor do Livro “Rumo da Nação: Reflexões sobre a Portugalidade”


Professor do Instituto Politécnico Jean Piaget do Norte https://www.ovarnews.pt/misoginia-digital-por-diogo-fernandes-sousa/

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