A notícia da chegada de uma tempestade de verão, apanhou os habitantes de Esmoriz de surpresa. O vento forte, chicoteia todas as embarcações que se encontram ao largo da praia, baloiçando-as desconcertadamente, enquanto o céu apresenta-se carregado de nuvens escuras.
Clarões iluminam a costa, apesar de no sentido oposto, nada fazer querer, que irá chover ou trovejar.
O ar de momento é quente e abafado.
A acalmia do mar, acabou por o encrespar,deixando as águas agitadas, remexendo tudo o que está no fundo, fazendo com que venha á superfície, lixo e tudo o que lhe foi atirado por gerações, enquanto a cor tradicional de azul esverdeado, foi substituída por cores tristes e cinzentas, mais fazendo lembrar, as cores de Outono.
As gaivotas, não param de esvoaçar, chegando á praia às dezenas, mostrando assim o seu desconforto, pelo vendaval que se aproxima.
O velho faroleiro de á muitos anos, já avisara a população das praias, para se precaverem do temporal que irá passar pela costa. O farol que se encontra ao seu cuidado, parece ter agora um olho gigante aceso, quando avistado de qualquer ponto da costa. No farol, muito poucos têm a coragem de olhar o mar, quando este se encontra revoltoso e varre os bancos de areia das bonitas praias da costa de Espinho.
São cinco da tarde, mas não parece, dado a escuridão do céu. Aniceto, um dos pescadores de Esmoriz, tenta ainda prender uma das embarcações que se encontra á deriva na água.
Enquanto isso, a Avó Beatriz, tenta acalmar e sossegar as crianças, conta-lhes histórias e até mesmo explicando, como se formam as trovoadas. O seu candeeiro a petróleo, mostra fragilidade e pouca luminosidade, quando é soprado pelo ar que passa pelas grei tas da sua janela.
Na taberna ao fundo da praia, Guiló um pescador muito conhecido por contar as suas histórias, conta mais um episódio, que se terá passado no tempo dos seus avós, relatando quando um grupo de contrabandistas fora surpreendido por uma forte tempestade, já perto do velho farol.
- Diz-se que os contrabandistas, tiveram de soltar uma das arcas que transportavam com rum, para não naufragar.
Todos ouviam o pescador deliciados e com atenção, o que em tempos fora notícia, naquela pacata e bonita localidade. Alguns já tinham ouvido falar pelos seus familiares, da famosa arca, que um dia, tinha ido com as marés, parar até uma praia ali próxima.
Um dos homens mais atentos, fumando o seu cachimbo, meteu-se então na conversa e mandou vir uma rodada para todos. Estava curioso por saber, qual teria sido o destino de aquele rum todo.
Guiló, agradecendo a generosidade do homem, continuou a sua história, satisfazendo assim a enorme curiosidade de todos os que o ouviam, a troco de mais um copinho.
- Houve uma outra arca, que veio dar a uma das praias daqui perto e que despertou grande curiosidade á população de Cortegaça.
Essa arca, foi encontrada na praia poucos dias depois de ser arrastada por correntes fortes que se fizeram sentir. Pelos vistos, nunca ninguém foi capaz ou suficientemente esperto, para a conseguir abrir e descobrir o que estava no seu interior.
Mais tarde, o governador da época, ordenou que a arca fosse transportada para uma das suas fortalezas, onde aí permaneceu fechada durante alguns anos, aguardando solução para ser aberta e revelar o seu segredo. Muitos populares, Falavam até que a arca deveria estar amaldiçoada, por nunca alguém a ter conseguido aberto. Era impenetrável.
Soube-se depois, que numa tarde de vendaval bastante cinzenta como esta, um rapaz que passava na praia de Cortegaça, ouviu a voz de uma rapariga a pedir ajuda e foi ao seu encontro, acabando por encontrar antes no seu lugar, essa estranha arca. Como tinha conhecimentos de ferreiro, acabou por ser o rapaz a conseguir abrir a misteriosa arca.
Todos estavam cada vez mais interessados, em saber o que de facto continha a arca e não hesitaram em pedir ao taberneiro, mais uma rodada de cerveja para todos.
-Sabem o que continha lá dentro? Interrogou Guiló toda a plateia, enquanto o taberneiro muito interessado também em ouvir o desfecho de toda aquela história, decidiu ser ele a servir todos por sua conta.
-Garrafas de rum! Responderam ambos.
- Não! Disse Guiló.
Todos ficaram surpreendidos, por ouvir uma resposta contrária, a tudo aquilo, que não estavam á espera. Afinal a arca de que tanto se falava, não guardava as garrafas de rum dos contrabandistas, como toda a gente suponha e afirmara em toda a sua história.
- Ao abrir a arca, o rapaz foi surpreendido ao encontrar no seu interior uma jovem rapariga adormecida, vestida com trajes muito antigos, da cor da cera.
Tudo levou a crer, que nos tempos dos contrabandistas, um dos chefes do Clã, tinha negócios secretos com o governador da época, o qual terá faltado a um dos pagamentos e em ajuste de contas, um dos contrabandistas, terá raptado a sua filha, colocando-a numa das arcas que carregava as garrafas de rum. Ao serem surpreendidos por uma forte tempestade, já muito perto dos rochedos do farol com o receio de naufragarem, acabaram por largar borda fora, grande parte do seu contrabando, tendo atirado a arca que continha a jovem lá dentro.
Com o passar dos anos, á quem diga, que ainda hoje em certos dias de vendaval, vê uma bonita rapariga com trajes antigos a vaguear pela praia de Cortegaça, procurando pela presença do rapaz que acabou com a sua maldição.
Gabriel Reis in «Lusopoemas»
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