quinta-feira, julho 14, 2022
1.
A construção da Nova Linha de Alta Velocidade Porto-Lisboa (2026 - 2030)) prevista no
novo Programa Nacional de Investimentos, permitirá libertar a Linha do Norte do seu
congestionamento, que ocorre com maior gravidade na aproximação à cidade do Porto e
começa em Ovar.
. Para tal contribui a coexistência de tráfego a velocidades distintas, pois a circulação de
comboios de longo curso e mercadorias impedem o aumento da oferta de suburbanos, havendo a
necessidade de segrega-los em duas linhas distintas.
Em resultado disso, o transporte de passageiros que tem um tempo de
percurso, entre Campanhã e Aveiro, de cerca 48 min, com a criação da
nova linha irá levar cerca de 21 min - ou seja, menos de metade do tempo.
. E este encurtar do tempo que leva alguém ir do Ponto A ao Ponto B, é particularmente
relevante porque estamos a encurtar distâncias. Antes as cidades eram medidas em metros, no
entanto, hoje, com a acrescente aceleração da paisagem imposta pelo homem, cada vez mais as
cidades medem-se em minutos. Já não dizemos que da nossa casa ao mercado são X metros, mas
sim X minutos.
. E este fenómeno tem impactos no território, porque a geografia também se altera.
Por isso é tão necessário refletir e antecipar o necessário para que se possam definir as
políticas adequadas à otimização dos fenómenos que se possam gerar no território e na
vida que neles se faz. E um dos temas que há necessariamente que refletir diz respeito ao
impacto no acesso à Habitação.
A Nova Geração de Políticas de Habitação (2018) tem uma missão
muito clara: Que "a reabilitação do edificado e a reabilitação urbana"
se torne na forma de intervenção predominante, tanto ao nível dos
edifícios como das áreas urbanas.
Sendo que, para além disso, a reabilitação ou revitalização urbana não podem desconsiderar
a mobilidade que a respetiva concretização sempre implica, ao que acresce a indispensabilidade de
incentivar o crescimento do mercado de arrendamento – que é escasso – e que deve constituir, por
um lado um "investimento seguro para os inquilinos" e, simultaneamente "garantir o Direito
(Constitucional) à Habitação"*.
*Lei de Bases da Habitação (2019)
. Finalmente – e tomando o exemplo da recente revisão do Plano Diretor Municipal do Porto
(2021), – quais são as dificuldades e desafios que reconhece?
São os de que o problema de acesso à Habitação não é só o da população mais vulnerável,
mas também a classe média (i); o de garantir a recuperação demográfica da cidade (ii); o de
promover o aumento do parque habitacional público, apoiando as famílias mais carenciadas (iii) e,
ainda, o da criação do mercado de arrendamento acessível - sobretudo para dar resposta a jovens e
à classe média -, que não possuem na cidade do Porto condições de acesso às tipologias hoje
conforme com a vida das famílias e dos cidadãos – designadamente jovens trabalhadores
qualificados, professores e quadros qualificados.
Tais desafios devem-se principalmente:
. À pressão de um turismo crescente que, apesar de ter sido um dos motores da recuperação
económica da crise financeira de 2008, deu origem ao excessivo fracionamento das habitações e das
respetivas áreas úteis e habitáveis;
. À política do Banco Central Europeu de injeção de liquidez no mercado em simultâneo com
uma política de baixas taxas de juro, o que resultou no investimento em imobiliário de luxo*, do que
resultou uma diminuição muito considerável da oferta de habitação para arrendamento.
* a pari e passu com a política nacional dos chamados "vistos gold", o que fez do Porto um dos "abrigos" do investimento francês que fugiu ao agravamento das políticas fiscais de François Hollande
Enfim, pelo conjunto de todas estas as decisões e circunstâncias, muitas foram as famílias de
poucos recursos que, pouco a pouco, se viram “empurradas” para fora da cidade e concelho
do Porto, e que tiveram que procurar alternativas de habitação nos municípios envolventes. A
dificuldade de acesso a uma habitação digna a preço não proibitivo, foi afastando
posteriormente também as famílias de classe média, num e noutro caso, longe do lugar onde
trabalham.
2.
E é justamente neste ponto desta reflexão, que a quadruplicação da Linha do Norte e a criação
da nova Linha de Alta Velocidade Porto-Lisboa, com paragem em Aveiro, entra na equação do
problema da habitação que acabamos de referir.
É que, olhando para o Porto, a gentrificação foi aumentando –
imaginemos que em pequenas rodelas – que se vão envolvendo, uma a
uma, à volta da cidade do Porto.
. De Gaia rapidamente se "cresceu" para Espinho que – sublinhe-se - integrando a Área
Metropolitana do Porto (dispondo do "Andante" para viajar), mas integrando o Distrito de
Aveiro – "esgotou"!
Pelo que, já hoje – ainda pouco mais do que a notícia da melhoria da Ferrovia, de facto
aconteceu, e o Município de Espinho encabeça, no Distrito de Aveiro, duas "condições" muito
negativas no acesso à Habitação: é onde o preço/m2 é o mais elevado - seja na construção,
seja no arrendamento.
De gentrificação (também) resultante de intervenções na Ferrovia que
vão encurtar distâncias, passaremos para a periferização
(maioritariamente) enquanto parte do grande Porto.
3.
Entramos, agora, no Município de Ovar. Esmoriz é uma cidade com apenas 9Km2 e já está
a sentir efeitos da incapacidade de Espinho responder às necessidades de Habitação, dos
seus e daqueles outros que a procuram (maioritariamente) vindo do Porto e Gaia.
Os limites das cidades não podem crescer indefinidamente – a ideia de que o crescimento urbano é
sinónimo de desenvolvimento económico, mostrou-se uma fábula. De uma política expansionista,
altamente consumidora da coisa pública, passamos para uma política de contenção urbana,
aplicando os gastos pelo Estado numa infraestruturação mais eficiente e eficaz.
O Município de Ovar tem, neste contexto, uma oportunidade única de
captar uma classe média (alta?) fortemente qualificada.
A Câmara Municipal de Ovar tem a sua Estratégia Local de Habitação aprovada - num cenário
em que cerca de metade dos municípios portugueses ainda não a possuem -, e a candidatura
ao programa 1.o Direito já protocolada com o Instituto da Habitação e da reabilitação Urbana.
. O primeiro documento identifica quantitativa e qualitativamente no território as carências
habitacionais;
. O segundo apresenta um programa de intervenção para dar resposta habitacional às famílias
que se encontram a morar em condições indignas (aumentando o parque habitacional público,
mobilizando o património devoluto do Estado, financiando intervenções pontuais de privados nas
suas habitações quando identificadas na Estratégia Local de Habitação.
No entanto, parece que tal não será suficiente para responder às novas necessidades que
o novo tipo de mobilidade ferroviária suscitará, designadamente para os "extratos" que
tais programas visam.
Disso resultarão dois prejuízos: a não resolução de um problema previsível e o não
aproveitamento da oportunidade que a nova mobilidade que ferrovia põe à nossa
disposição.
É por isso urgente e necessário, antecipar, e procurar criar um mercado
de arrendamento acessível, que dê urgentemente soluções aos jovens
e à classe média.
Texto da responsabilidade de (*) Martim Costa; Arquiteto; membro PLATAFORMAcidades; grupo de reflexão cívica
NOTA (*) Veja outros textos desta série no Blogue Plataforma Cidades; Contacte plataformacidades.op@gmail.com
https://www.ovarnews.pt/?p=64035
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