«Os desencantadores
das cidades antigas
Lisboa (...) conserva, porém nos meios populares que mergulham as raízes no mar, alguns tipos originais, que se recortam da trivialidade. De entre eles, destaca-se o da varina, mulheres naturais, ou de ascendência próxima, de Ovar, Aveiro e Estarreja, que evoluiram gradualmente no sentido lisboeta, sem perderem contudo o seu tipo. O traje é gárrulo, o pisar ondulante, rítmico até à sugestão artística, o busto é airoso, de ancas finas e peito túrgido, a cabeça é patrícia, sob um lenço polícromo que só cobre a nuca e cai em ponta sobre a espádua elegante. Na sua maioria a varina é bonita, de pele branca que o sol não chega a crestar e de olhos vivos e maliciosos: a ascendência remota dizem os sábios que é fenícia, tal a proa de certos barcos das costas norte de Portugal.
A varina percorre a cidade vendendo peixe, mas muito mais se topa, na pureza primitiva do tipo, nos mercados da Ribeira Nova e da Praça da Figueira, à margem do rio nas lotas e na descarga do peixe. Sedução para os artistas, a varina é um precioso mistério para os sábios, uma realidade viva para os desencantadores das cidades antigas. O seu bairro é a Madragoa».
(Fotografias: Joshua Benoliel 1912 e Fernando Martinez Posal 1948 e Agnes Varda 1953;
Texto de Norberto de Araújo em Lisboa, Edições SPN, Lisboa, in «Dias que voam»)
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