À roda de um pão-de-ló…
TEXTO: António Pinho Nunes
Considero-me um bom cliente, apreciador e propagandista do nosso pão-de-ló. Há dias, enquanto saboreava uma boroa esplêndida com uma família amiga e o Abade da Afurada, eu, que tenho a mania de filologar, isto é, de saber o que significam os nomes das coisas, perguntei ao meu amigo Abade:
– “Olhe lá: sabe donde vem esta coisa do “ló” – pão de ló?”
– “Pois é muito simples” –, disse-me ele. E adiantou: “Vem do nome da 1.ª fabricante do pão de ló da minha terra, e que se chamava Leonor Rosa, mais conhecida por Ló”…
– “Terá sido na sua terra que nasceu, em Portugal, o pão de ló?! Temos de fazer lá, então, um monumento!”… –, ri-me com gosto.
– “Pois bem o merece, pela fama e pela história que tem”.
– “Só?! O que interessa é, sobretudo, a qualidade!” – observei-lhe.
A discussão começava, e as outras pessoas já se apercebiam de que estava a surgir ali um problema de bairrismo.
A boroa, ali no meio, estava, porém, a chegar ao fim. E, para acabar o diferendo de forma amigável, disse ao colega:
– “Vá lá, mais uma fatiazinha (a 3.ª ou a 4.ª!), e diga-me se o pão-de-ló de Ovar não é muito melhor que o seu!”…
Enquanto ele lambia os dedos, a terminar, disse:
– “Bem, é doutro género. Tem mais ovos, é mais húmido e pegajoso. Mas não é nada mau!”…
– “Ora bem, parece que chegámos a acordo, não é verdade?” – quis saber.
– “Bem, bem, – concluiu o Abade –, quando voltar cá, traga outro, e não discutimos mais!”…
Mas a conversa não terminara. Ainda ali estava, no meio da mesa, estendido, o papel que envolvera o pão de ló já sumido. Sugeri que era preciso acabar com aquilo, que o do fundo era o melhor.
Como tivesse notado que, por cortesia, tinha sido eu quem comera menos, obrigaram-me a rapar o papel, o que eu fiz sem cerimónia. E o papel ficou liso, que se podia escrever lá… E concluí, triunfante:
– “Como disse o nosso Abade, o pão-de-ló de Ovar é o melhor do mundo!” [Na foto: pão-de-ló São Luiz]
Uma gargalhada geral confirmou a minha opinião e concluiu os debates…
– “Ah, mas, então, essa história do pão-de-ló da sua terra?” – quis eu saber.
– “Bom, isso é muito complicado, e o melhor é eu mandar-lhe um folheto que acompanha cada boroa que se compra, e ficará elucidado. De qualquer modo, fique a saber que esse pão-de-ló deve ser o mais antigo do país, porque se fabrica já há mais de 150 anos. E os últimos dois reis comeram dele…”
- “Pois olhe! – disse-lhe eu. O pão-de-ló de Ovar é um velho de, pelo menos, 200 anos. Há lá em Ovar um manuscrito de 1781 que conta que os padres que levaram o andor do Senhor dos Passos eram obsequiados com pão-de-ló. E bem o mereciam, porque o andor era (e ainda é) muito pesado. E até já não haverá muitos padres hoje que consigam levá-lo”…
Esse folheto, em papel-bíblia, com muitas histórias curiosas, já me veio à mão. A princípio, perguntava-se aí: “porque se chama “pão-de-ló” ou “pão leve”? Quem foi o seu 1.º fabricante? Em que ano se começou a fabricar? São perguntas a que não podemos responder”.
E, a seguir, à procura do significado das palavras, refere-se o seguinte: “Roquete, no seu dicionário, impresso em Paris em 1848, diz que o pão-de-ló é uma massa de farinha, açúcar e ovos. Domingos Vieira, no seu dicionário de 1873, diz que “ló” é uma tela muito fina e rara”.
Portanto, pão-de-ló, também chamado pão leve, é uma massa doce feita de farinha, ovos e açúcar, que fica muito fofa depois de ir ao forno.
“Ló” é também um termo de náutica que, de certo, não deve ser chamado aqui.
Em conclusão: parece-me que a razão do nome deve estar entre a tal Leonor Rosa e estes dicionaristas.
Mas o nosso pão-de-ló também tem a sua História, desconhecida para mim e, certamente, para a maior parte dos vareiros. Não haverá alguém que queira abalançar-se a investigá-la?
Seria interessante que este trabalho fosse feito, para cada marca, até porque ouvi dizer, há pouco, que uma das marcas de pão-de-ló vareiro foi muito apreciada em recente exposição na Feira Internacional de Lisboa.
Finalmente faço votos por que esta nossa especialidade vareira continue a subir em qualidade e fama, mas não no preço…
Artigo publicado no quinzenário ovarense
«JOÃO SEMANA» (15 de Abril de 1981)
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