domingo, abril 27, 2008

O Homem que disse não a Cavaco



Joaquim Maria Ceia Sacarreta, liquidador tributário de 1ª classe no 207º Bairro Fiscal, nasceu em Ovar em 1954, filho de um marceneiro e de uma funcionária da Caixa de Previdência. Sua avó Leopoldina, senhora muito distinta e filha natural do barão de Relhe, comunicou-lhe o amor das belas-letras e sólidos princípios morais visto ser leitora assídua da revista "Mãos de Fada".
Após uma infância feliz e uma adolescência indecisa e depois de sem cunhas assinaláveis ter entrado na função pública, acentuou os seus gostos artísticos e políticos. Ligado ao sector cultural do respectivo sindicato, participou em tertúlias diversas debruçando-se sobre autores como Alexandre Nortadas, Romão da Câmara ou J. Pacheco Pereira.
Cívicamente ficou muito conhecido por um caso sucedido durante o governo de Cavaco: estando o estadista em governação aberta na região e visitando a sua importante Repartição, no bar e rodeado pelo seu staff virou-se para Sacarreta e disse de forma imperativa: "Quererá o amigo tomar um cafezinho???". Joaquim Sacarreta respondeu, marcando bem as palavras: "Não, senhor primeiro-ministro!!!".
Os acompanhantes gelaram. E enquanto os guarda-costas - mansamente mas com decisão - retiravam Sacarreta por uma porta lateral, Cavaco lívido abandonava o local sem delongas.
É pois este o homem que nos apresenta o poema (...) de Francisco de Quevedo, numa tradução de José Bento:

Porque me amarga a verdade
quero lançá-la da boca;
e se a alma seu fel toca,
escondê-la é necedade.
Saiba-se, pois liberdade
gerou em minha moleza
a pobreza.
Quem faz o vesgo um D.João
e prudente o seu conselho?
Quem ao avarento velho
serve de rio Jordão?
Quem torna as pedras em pão
sem ser o Deus verdadeiro?
O dinheiro.
(...)
Quem os juízes com paixão
sem ser óleo, faz cristãos,
pois ao untar-lhes as mãos
lhes abranda o coração?
Quem desgasta a opilação
com ouro e sem o ferreiro?
O dinheiro.
Quem busca que se despeje
do solo a glória vã?
Quem, sendo toda cristã
tem uma cara de hereje?
Quem faz que o homem se aleije
em desprezo e em tristeza?
A pobreza.
Quem o monte faz curvar
ao vale? E a bela ao feio?
Quem alcança o que o anseio,
mesmo impossível, sonhar?
Quem o de baixo faz voar,
erguer no mundo, ligeiro?
O dinheiro.
(in «quartzo-feldspato-mica»)

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