quinta-feira, maio 03, 2007


Pedro Homem de Mello:
«A dança de Ovar é o Vira»

Embora aleatoriamente, o poeta Pedro Homem de Mello (Porto, 1904 - 1984) refere-se à Tocha no seu livro "Danças Portuguesas" (Lello & Irmão Editores, Porto 1962), a propósito, nem mais, do Vira Gandarês. Esta dança, que corre o litoral desde o Minho, a par das festas sanjoaninas, tem nesta versão gandarense diferentes motes, consoante a revivescência dos seus intérpretes (Cancioneiro de Cantanhede; Associação 1º de Maio da Tocha), que o bailam como cartão de visita. "Passado Aveiro, outro Vira se nos depara: o gandarês, que vai da Mealhada a Cantanhede, de Cantanhede à Tocha e da Tocha ao Atlântico". E mais adiante: "A dança de Ovar é o Vira, não o do Minho, nem mesmo aquele que, passado Aveiro, Verdemilho, Ílhavo, Calvão, Quintãs, Cabecinhas e Mira, surge na Gândara, região que vai da Mealhada à Tocha e da Tocha ao Atlântico - o Vira Gandarês, primorosamente executado pelo Grupo Folclórico de Cantanhede."
Seja por fomento turístico ou alguma cerimónia de boas-vindas, multiplicou-se a actuação de grupos de dança folclórica e os certames típicos. O termo "rancho" tem toda a probabilidade de ser mais um recurso da apologia turística - assim como chamar à banda de música "filarmónica" -, pelo que é plausível atribuir à propaganda oficial a rotina em que caiu este bailado. Dizemos isto aos olhos do espectador português, porque a riqueza desta expressão é visível por comparação ao visitante estrangeiro.
Não é despiciente ver na sua origem o folguedo aldeão imitando as danças da Corte - na formal e parcimoniosa alacridade da dança, e não o actual salsifré -, ou vice-versa, sendo certo que também os festivais de música barroca recriam essa ambiência cortesã. As labutas mais importantes, colheitas e vindimas, eram comemoradas com música, e cada reduto intervinha a seu modo. Depois a sazonalidade diminuiu até à extinção, e o que reapareceu, nas primeiras décadas do século XX, foram encenações para desfiles etnográficos municipais de grande enlevo bairrista, bem ao jeito da prosápia republicana. Desde essa altura que o folclore ficou sem os seus genuínos produtores e passou a ser representado por herdeiros de parentesco, mas de diferentes ofícios, assalariados, comerciantes, etc., até aos dias de hoje, onde são talvez os descendentes dos dançarinos das eiras, professores e demais licenciados, a assumirem o figurino dum passado irrepetível.
Foram estes alfabetizados que introduziram um mediador a intercalar cada "número" com preâmbulos históricos. Ora, isto demonstra que não é só a dança em si, nem o trajo, mas principalmente a canção que define esta encenação; e a canção é o espelho da oralidade e identidade populares, de modo que a busca da autenticidade ditaria a presença de várias pessoas representativas da prosódia local, numa colaboração recíproca para benefício de todos.

(Jorge Guerra in «Vilibordo»)

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