A antiga Capela do Senhor da Piedade
TEXTO: Mário Miranda
O nosso amigo António Valente de Almeida, conhecedor de muitos factos passados no Furadouro, entregou-nos, a este respeito, alguns apontamentos de interesse que os seus antepassados lhe deixaram e que procuramos divulgar no nosso jornal.
Perde-se no tempo a devoção dos vareiros ao orago do Furadouro, Senhor da Piedade, em cuja honra foi erguida, no século XVII, uma capela, que foi o ex-libris da nossa terra, a qual saudosamente recordamos e que está documentada em fotografias de várias épocas.
Situava-se na parte mais alta do Furadouro, no cimo de uma duna, frente à que é hoje a Avenida Central [ver foto], num largo que se chamou D. Maria Pia e, depois da República, Largo Machado Santos.
O pequeno templo tinha a forma de um cubo, e era encimado por uma abóbada, toda pintada de branco, com uma porta ogival voltada para o mar.
Dizia-se que neste mesmo sítio – ou mais dentro do areal – existiu uma outra ermida, mas em madeira.
O Senhor da Piedade era representado pelo Cristo Crucificado, em pedra, com 1,20 m, e metido na própria parede, formando um nicho.
Em 1882 foi-lhe acrescentada uma sacristia a sul e feitas obras de restauro, a expensas dos beneméritos Manuel Oliveira Manarte e Joaquim Valente de Almeida, ambos proprietários da Empresa de Pesca Senhora do Socorro.
Era um marco para a navegação. À noite, uma grande lamparina fazia sair a luz através de dois grandes orifícios que existiam na porta, funcionando como farol.
Em 1924, a Câmara mandou arrasar a duna, com o fim de fazer um adro e, ao mesmo tempo, construir um miradouro. Só que as obras não passaram das intenções. E a falta de areia deu origem a que tivessem de mandar fazer uma escada de madeira de emergência, com dois metros de altura, para acesso à capela…
Nova decisão errada tomou a Câmara em 1935, da Presidência de Pacheco Polónia, ao mandar fazer um enorme varandim, em cimento armado, com suportes apoiados na capela…
Todas as previsões técnicas admitiram que a derrocada podia acontecer a qualquer momento. Esse era, aliás, o vaticínio da maioria do povo, que se apercebia de que a ermida não tinha resistência suficiente para aguentar tamanha carga.
Tal como se previa, na manhã de 1 de Fevereiro de 1939, à vista de muita gente, a capela desmoronou-se, não aguentando a fúria das vagas. Da hecatombe salvou-se apenas a imagem de São Sebastião, hoje na capela nova, e a fotografia de uma Comissão das Festas do Mar de 1917, que se encontra no Museu de Ovar.
Da imagem do Senhor da Piedade não houve mais notícia. Mas é certo que não anda longe, sepultada na praia que todos pisamos.
Era o Senhor da Piedade lugar de peregrinações quando havia secas, epidemias, naufrágios, nevoeiros, etc. O seu sino avisava os pescadores que labutavam no “nosso” mar quando se dava a aproximação de temporais ou a alteração repentina de ondulação, ou quando o espesso nevoeiro lhes escondia a terra.
O constante badalar despertava a atenção dos habitantes do Furadouro, que iam, aflitos, ao “Alto”, como então se chamava ao local, para saber o que se estava a passar.
Do templo, e para além das recordações daqueles que, como nós, ainda o viram, restam fotografias como a que reproduzimos.
Antes de terminar, queremos deixar aqui a discordância de António Valente de Almeida em terem dado à Paróquia o nome de S. Pedro, quando deveria ter sido o de Paróquia do Senhor da Piedade. Era uma justa homenagem ao antigo titular da Capela e a única maneira de não se esquecer o venerável monumento que o mar, infelizmente, tragou para sempre, e que veio a ter, como substituto, um pouco a norte, a Capela da Senhora da Piedade ("Capela Nova"), também desaparecida nas águas do mar.
Artigo publicado no quinzenário ovarense
JOÃO SEMANA (1 de Agosto de 1994) in «artigosjornaljoaosemana»
Caro colega jornalista, fico muito feliz por saber que aprecia estas curiosidades da terra publicadas no "João Semana". O P. e Manuel Pires Bastos também ficou contente por ter publicado este "post", porque este jornal quase centenário merece todo o respeito...
ResponderEliminarObrigado e continuação de bom trabalho.
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